Luis Ricardo Silva Queiroz
O que pesquisar? Geralmente essa é a primeira dúvida que surge ao pensar em fazer um projeto de pesquisa e, geralmente, essa é a questão fundamental para o sucesso na realização de um bom trabalho científico. O fato é que não se chega a um tema de pesquisa por acaso, geralmente ele é fruto de inquietações e dúvidas sobre questões que já foram exploradas, de alguma forma, pelo autor do projeto. Assim, um projeto de pesquisa não surge do nada, de certa maneira ele está conectado, ou com a vivência prática do pesquisador, ou com uma base teórica na qual esse se fundamenta, ou nas duas questões, o que seria o ideal.
A dúvida sobre o que pesquisar e como encontrar um problema de pesquisa é muito comum principalmente para os iniciantes na produção do conhecimento científico. Numa breve definição, podemos considerar que o problema de pesquisa é uma dificuldade, teórica ou prática, no conhecimento de alguma coisa de real importância, para o qual se deve encontrar uma solução.
Definir um problema significa especificá-lo em detalhes precisos e exatos. Na sua formulação deve haver clareza, concisão e objetividade. O problema deve ser levantado e formulado, de preferência, em forma interrogativa e delimitado com indicações das variáveis, dependentes e independentes, e das suas possíveis inter-relações no fenômeno estudado.
Sugiro assim, algumas questões que podem ajudar a nortear a escolha de um tema, bem como a definição, delimitação e elaboração do problema central a ser investigado.
Das questões fundamentais que devem ser pensadas na escolha de um tema, é importante refletir principalmente sobre os seguintes aspectos:
O que pesquisar?
Quais os assuntos que gostaria de pesquisar?
Esse assunto seria importante para a área de música, para o contexto em que você e o fenômeno estudado está inserido e para ciência em geral?
E para o seu interesse pessoal, o assunto é relevante?
O assunto é possível de ser pesquisado?
Você tem possibilidades de dominar esse assunto?
Quem ou o que pesquisar?
Com que sujeitos, produtos musicais ou fenômenos musicais em geral, você tem mais afinidade?
Se você ainda não tem afinidade com o universo de investigação, seria possível conquistá-la?
No caso de um produto musical você teria acesso às fontes necessárias para investigá-lo
Em relação aos sujeitos, qual a faixa etária que você gostaria de pesquisar? Crianças, adolescentes, adultos?
Onde pesquisar?
Em que contexto gostaria de pesquisar, formal ou informal? Dentro ou fora de uma instituição?
Quais os contextos que você tem melhor acesso?
Onde conseguirá se aproximar mais da realidade?
Onde tem condições (financeiras, materiais e temporais) para ir?
Que tipo de pesquisa quer realizar?
O estudo visa fazer uma pesquisa básica, em que o objetivo é levantar dados sobre uma realidade, interpretando e entendo aspectos característicos daquele contexto?;
A pesquisa tem uma natureza aplicada, onde se busca, a partir da investigação ter resultados efetivos aplicáveis no contexto sociocultural em que se realiza a investigação?
Além disso, quanto à abordagem metodológica do trabalho, é uma pesquisa quantitativa, qualitativa ou tanto quantitativa quanto qualitativa?
Após pensar sobre essas questões, será possível chegar a algumas definições fundamentais para nortear o início de uma proposta de pesquisa. Mesmo sendo o projeto algo em construção, ele deve apresentar o máximo de clareza possível, favorecendo o entendimento de quem vir a avaliá-lo e, mais que isso, fundamentalmente, proporcionando ao pesquisador um olhar direcionado para o seu foco de estudo. A partir de uma visão clara dos caminhos da pesquisa, poderão ser sugeridas propostas de coleta e análise de dados adequadas à realidade do estudo, o que o tornará o pesquisador mais instrumentalizado para um trabalho coerente de pesquisa.
Estrutura de um projeto de pesquisa na área de música
A estrutura de um projeto de pesquisa pode variar bastante a depender da finalidade e do contexto em que o projeto será submetido e realizado. Assim, cada instituição, agência de pesquisa, entre outros órgãos, podem apresentar definições próprias sobre a extensão do projeto, com variações inclusive nos itens que devem constituir o formato da proposta. Além disso, um projeto para concorrer a uma vaga de mestrado e doutorado em um programa de pós-graduação no Brasil pode ser muito diferente de um projeto submetido ao CNPq para pleitear uma bolsa de doutorado pleno ou de "doutorado sanduíche" no exterior; um projeto de pesquisa para concorrer a uma bolsa de iniciação científica certamente é bem diferente de um projeto para pleitear uma bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq; e assim por diante. O importante é sempre observar e seguir as diretrizes e as recomendações para a elaboração do projeto da instituição ou do órgão ao qual a proposta será submetida.
A seguir apresento uma estrutura básica de um projeto de pesquisa que pode servir de bases para projetos de pesquisa com diferente finalidades. Em linhas gerais, os itens apresentados a seguir são transversais a qualquer projetos de pesquisa, podem ser apresentados em ordens distintas a depender do projeto e variar em profundidade de acordo com o nível e a natureza da proposta elaborada.
Introdução
Apresentação do tema
Consiste na apresentação clara e concisa do tema da pesquisa. É preciso especificar qual é o foco do estudo e delimitar o que vai ser estudado.
Fundamentação teórica (quadro teórico)
Definição e discussão dos conceitos centrais que constituem o universo do trabalho, bem como as perspectivas teóricas que alicerçam o estudo. Na fundamentação teórica, as fontes bibliográficas são utilizadas para definir os conceitos e direcionamentos epistêmicos que embasam o trabalho, explicitando sobre quais dimensões eles serão desenvolvidos no estudo.
Revisão de literatura
Na revisão de literatura o objetivo principal é a apresentação, análise e discussão de autores e obras que abordem o tema da pesquisa. Deve-se buscar resenhar e/ou resumir as principais produções relacionadas ao tema estudado, apontando os mais importantes autores que têm estudado o assunto e o “estado” no qual se encontra a produção científica sobre a temática.
Problema de pesquisa
Delimitação clara de uma pergunta central a ser respondida a partir da investigação. A definição do problema norteará os conceitos utilizados, os objetivos e os caminhos metodológicos a serem seguidos durante a pesquisa.
Obs.: A introdução poderá ser apresentada em um tópico único, denominado “Introdução” ou dividida em sub-tópicos, conforme as indicações acima. Cada projeto deve estruturar esta parte do trabalho de acordo com as especificidades da área e/ou tema estudado. O fundamental é que a introdução contemple a apresentação do tema; os conceitos centrais e as perspectivas teóricas que alicerçam o estudo; a descrição comentada e analítica das obras relacionadas ao foco do trabalho; e a delimitação clara do problema central de pesquisa.
Justificativa
A justificativa deve conter argumentos consistentes, que demonstrem a relevância do trabalho. É preciso justificar “porque” a resposta da questão central, atingindo o objetivo geral do trabalho, será importante para a realidade estudada, para o campo de pesquisa específico, para a área de concentração do PPGM e para a ciência em geral. É fundamental enfatizar, também, quais as contribuições que o estudo deixará para outros trabalhos e de que forma contribuirá para a expansão do conhecimento acerca do tema estudado.
Objetivos
Objetivo Geral
O objetivo geral do projeto é responder a questão central da pesquisa. Assim, o objetivo deve estar em plena consonância com a pergunta previamente definida na introdução. Um objetivo nunca pode estar fora de sintonia com o problema de pesquisa. Neste sentido, não se pode ter uma questão a ser respondida e outro objetivo a ser alcançado. Se o trabalho tem como finalidade chegar à resposta de um problema, fundamentalmente, esse é o objetivo geral do projeto.
Objetivos Específicos
Os objetivos específicos compreendem todos aqueles objetivos que serão cumpridos para se chegar até o objetivo geral. São ramificações do objetivo geral e precisam, portanto, estar afinados com ele. Ao se atingir todos os objetivos específicos deve-se, conseqüentemente, chegar ao objetivo geral da pesquisa.
Metodologia
Na metodologia, responde-se a questão: como o trabalho será realizado? Assim, deve apresentar, detalhadamente, todas as etapas que serão cumpridas ao longo da pesquisa, tendo como base a estrutura apresentada abaixo.
Universo da pesquisa
Descrição do fenômeno estudado, sujeitos, lugares e situações que comporão o universo da investigação. Seleção dos casos ou da amostragem (se for o caso) a ser abordada, descrevendo a parcela do universo que será efetivamente estudada.
Obs.: de acordo com a natureza do trabalho outras definições, ao invés de universo de pesquisa, podem ser utilizadas para determinar e/ou delimitar o fenômeno estudado.
Instrumentos de coleta de dados
Os instrumentos de coleta de dados devem ser escolhidos de acordo com o foco do estudo. É importante pensar que, para cada objetivo específico, deve haver, pelo menos, um instrumento que contemple as suas especificidades. A junção dos vários instrumentos/procedimentos de coleta utilizados deve fornecer o suporte devido para se chegar ao objetivo geral do trabalho. Em todos os instrumentos apresentados deve ser destacada a sua abrangência, bem como sua finalidade e relevância para o trabalho. Os instrumentos descritos, a seguir, têm a finalidade de ilustrar alguns entre os diversos procedimentos que podem fazer parte do processo de coleta de dados. Todavia, como destacado anteriormente, é importante que cada trabalho defina os seus próprios instrumentos, de acordo com o tema do estudo e os objetivos a serem alcançados.
Pesquisa bibliográfica: abrange os estudos das produções publicadas acerca do tema estudado. Deve-se, na descrição desse instrumento, detalhar as áreas e os temas contemplados;
Pesquisa fonográfica: contempla a coleta de discos (vinil, CDs, DVDs) e outros registros sonoros “publicados”, relacionados ao foco da pesquisa. Deve-se, na descrição desse instrumento, detalhar os gêneros, estilos, períodos, compositores, intérpretes, etc., que farão parte da abordagem do estudo;
Pesquisa documental: consiste na consulta de documentos não publicados, geralmente encontrados em arquivos públicos, acervos particulares e institucionais, documentos pessoais, etc.
Pesquisa sonoro-documental: abarca gravações e registros sonoros não “publicados”, disponíveis em bibliotecas, acervos particulares, etc. Este tipo de pesquisa contempla gravações não realizadas efetivamente pelo pesquisador no trabalho de campo, mas sim, por outros pesquisadores e/ou pessoas em geral para registro, documentação e qualquer outra finalidade.
Observação participante: inserção in loco no contexto estudado, buscando vivenciar, interpretar e compreender práticas musicais e atividades diversas relacionadas ao universo cultural do fenômeno investigado.
Questionário: instrumento que visa coletar dados em proporções mais abrangentes, geralmente de natureza quantitativa, devendo ser estruturado, principalmente, com questões fechadas, com uma estrutura bem definida e de fácil compreensão para os informantes. Pode ser aplicado com um grande número de indivíduos pelo fato de ser preenchido pelas próprias pessoas que o responde.
Entrevistas (não estruturada, semi-estruturada ou estruturada): realizadas a partir do contato direto entre o pesquisador e as pessoas pesquisadas, visam obter respostas/informações acerca das questões investigadas, bem como compreender o universo cultural/social/musical investigado, a partir das perspectivas dos indivíduos que caracterizam a realidade estudada.
Fotografia: instrumento aplicado, geralmente, no processo de observação participante. Tem como finalidade realizar registros visuais de situações específicas, a fim de favorecer o processo de análise e possibilitar o uso de ilustrações no texto da dissertação.
Gravações em vídeo: instrumento que permite um registro rico de situações particulares de um determinado contexto, proporcionado uma leitura ampla de aspectos relacionados à performance musical em geral.
Gravação em áudio: permite tanto o registro das entrevistas, como também fornece materiais sonoros fundamentais para análises, em pesquisas onde a música, e outras expressões que se utilizam do som, têm uma função importante.
Obs.: É importante destacar que os registros fotográficos, de áudio e vídeo, assim como a divulgação de qualquer informação particular do contexto de pesquisa e das pessoas envolvidas necessitam de autorização prévia das pessoas participantes.
Organização e análise dos dados
Para cada instrumento de coleta de dados deve ser previsto, pelo menos, um instrumento de organização e análise, sendo que, por vezes, é necessário dois ou mais instrumentos analíticos para contemplar um determinado procedimento de coleta. Nessa etapa da metodologia, é fundamental que sejam previstos todos os passos necessários para a leitura dos dados, levando o pesquisador, conseqüentemente, a atingir os objetivos do trabalho. As descrições, a seguir, ilustram alguns procedimentos analíticos que podem ser utilizados num trabalho de pesquisa. Mais uma vez, vale ressaltar que cada estudo precisa definir seus procedimentos de organização e análise de dados de acordo com a natureza específica da investigação.
Constituição do referencial teórico: descrever de que forma será estruturada a análise da pesquisa bibliográfica e enfatizando de que maneira serão definidos os conceitos centrais, as bases epistemológicas e analíticas que nortearão a pesquisa.
Organização e categorização de materiais sonoros: enfatizar de que maneira os materiais coletados serão estruturados, em grupos e categorias, de acordo com o foco do trabalho, visando definir as estratégias fundamentais para os procedimentos analíticos.
Catalogação e categorização dos documentos: demonstrar de que forma os documentos coletados serão organizados, em grupos e categorias, de acordo com o foco do trabalho, a fim de favorecer o processo analítico.
Organização e categorização dos documentos sonoros: evidenciar de que forma os arquivos de áudio coletados serão estruturados, em grupos e categorias, de acordo com o foco do trabalho, a fim de favorecer o processo analítico.
Descrição analítica das situações vivenciadas e das “impressões” obtidas a partir da observação participante: destacar de que forma serão organizadas e apresentadas anotações e descrições, realizadas ao longo da observação participante, dando ênfase aos aspectos que serão fundamentais para responder à questão central de pesquisa.
Tabulação dos questionários: evidenciar de que forma serão elaborados gráficos e/ou tabelas, apresentando índices e escalas, que evidenciem as respostas obtidas, a fim de apresentar como serão categorizadas as questões centrais, relacionadas aos objetivos do trabalho.
Realização de transcrições textuais: destacar como os relatos e depoimentos orais obtidos, a partir das entrevistas, serão transcritos ao longo do trabalho e de que forma serão enfatizados os aspectos centrais, relacionados ao foco da pesquisa.
Análise de discurso: evidenciar como serão realizadas as análises dos discursos obtidos, considerando as dimensões ideológicas e contextuais que caracterizam as concepções e ações dos “sujeitos” investigados.
Seleção das fotografias: apresentar como os registros fotográficos serão utilizados tanto para a análise quanto para a ilustração dos textos produzidos para a dissertação.
Edição das gravações de áudio: destacar como serão selecionados os trechos que ilustrarão a manifestação musical estudada e de que forma estes trechos possibilitarão a realização das análises.
Edição dos vídeos: apresentar de que forma serão selecionados trechos relevantes para o processo de análise da manifestação musical estudada.
Realização de transcrições musicais: destacar como os aspectos acústicos, melódicos, rítmicos, harmônicos, entre outros, serão transcritos, e de que forma evidenciarão os elementos fundamentais da expressão musical estudada.
Análise musical: evidenciar a perspectiva analítica que será utilizada, bem como os elementos musicais que serão enfatizados na análise.
Descrição analítica das questões centrais investigadas: apresentar como serão elaboradas as respostas às questões centrais e de que forma serão descritos, analiticamente, os principais resultados obtidos, a partir de todos os instrumentos aplicados.
Elaboração do relatório final (dissertação, tese, entre outros)
Evidenciar como serão descritos os aspectos fundamentais que farão parte da dissertação, destacando a ênfase que direcionará a definição do trabalho, bem como os procedimentos estruturais que embasarão sua formatação.
Cronograma
Previsão do tempo que será necessário para cumprir as atividades previstas na metodologia. O projeto final deve descrever as etapas já cumpridas no primeiro ano de curso.
Espero que essas dicas básicas sejam úteis. Caso precise de informações para a elaboração de um projeto mais profissional de pesquisa em música, entre em contato aqui pelo site.
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